McCain (segundo a contar da
esquerda) sentiu-se "quase invencível" naquele balcão
Franklin McCain, um negro que
ousou pedir café no balcão errado da América
13/01/2014 - 07:59, PÚBLICO
Foi um dos pioneiros da luta
contra a segregação racial. Em 1960, ele e outros três estudantes sentaram-se
num snack-bar reservado a brancos em Greensboro, na Carolina do Norte, num
protesto que se espalhou ao país.
“Se não consegues encontrar
alguma coisa pela qual estás disposto a perder a vida, então deves perguntar-te
porque estás cá”. Franklin McCain tinha apenas 19 anos mas talvez esta
convicção estivesse já firme na sua cabeça quando, a 1 de Fevereiro de 1960,
entrou nos armazéns da Woolworth em Greensboro, na Carolina do Norte, e se
sentou com três colegas da universidade ao balcão de um snack-bar reservado
a brancos.
Pediram café edonuts e, quando recusaram servi-los ficaram ali
sentados até a loja fechar. Voltaram no dia a seguir e em todos os seguintes –
o pequeno grupo transformou-se numa multidão, que inspirou outras e ajudou a
incendiar a luta pela igualdade entre brancos e negros na América dos anos
1960.
McCain morreu quinta-feira, aos
73 anos, de complicações pulmonares e os obituários que a imprensa lhe dedicou
foram elegias da ousadia juvenil dos Quatro de Greensboro (como ficaram
conhecidos), transformada em marco dos protestos contra a segregação dos
negros. “McCain e os seus três colegas foram heróis à moda antiga, soldados no
puro sentido da palavra: fartos da sua situação, incapazes de a tolerar por
mais tempo, temendo os custos de se manterem inactivos por mais tempo,
ergueram-se e foram à luta”, escreveu a revista The Atlantic.
Não foram os primeiros a
protestar – de forma pacífica, sem provocações mas sem transigir – contra os
estabelecimentos que tratavam de forma diferente os clientes conforme a sua
raça. Mas até então, nenhuma outra iniciativa atraíra tanto a atenção.
Numa das várias entrevistas que
deu em 2010, no 50.º aniversário do seu sit-in, McCain explicou ao Charlotte
Observer, o que levou os quatro caloiros da Universidade de Agricultura e
Tecnologia da Carolina do Norte, uma escola só para negros, a passar à acção.
Os pais e os avós tinham-lhes ensinado que, se cumprissem as leis e
trabalhassem no duro, seriam bem-sucedidos: “Eu sentia-me parte de uma grande
mentira. Todos nos sentíamos assim.” Depois de meses a discutir as injustiças
da segregação, decidiram que era altura de fazer qualquer coisa e, na noite de
31 de Janeiro de 1960, escolheram o alvo: a cadeia Woolworth que, nos estados
do sul, impunha a segregação aos seus clientes.
Na tarde do dia seguinte,
entraram na loja de Greensboro e, depois de comprarem material escolar e
pedirem a factura (para provar que tinham feito despesas), sentaram-se em
quatro bancos altos do snack-bar reservado a brancos. “Estávamos assustados”,
contou David Richmond, um dos quatro, que morreu em 1990. “A adrenalina
corria-me nas veias, mas se alguém ao balcão tivesse gritado ‘buhh!’ eu teria
fugido a correr”.
Demasiado zangado para sentir
medo
As recordações de McCain são diferentes. “Não tinha medo porque estava
demasiado zangado para sentir medo. Sabia que se tivéssemos sorte iríamos
passar muito tempo na prisão. Caso contrário, podíamos regressar ao campusnum
caixão de pinho”. Desafiar a segregação que fazia lei nos estados do Sul era
arriscar a prisão e os espancamentos eram uma rotina. Mas McCain diz que, “15
segundos” depois de se sentar sentiu algo inédito: “Foi uma sensação de
liberdade, de dignidade recuperada. Senti-me quase invencível”, contou, em
2010, à rádio pública NPR.
Não foram espancados, nem presos.
Mas o empregado recusou servi-los, um polícia disse-lhes para saírem dali,
tocando de forma ameaçadora no cassetete, e um empregado negro acusou-os de
serem agitadores. Mantiveram-se sentados e ouviram insultos de clientes brancos,
mas também palavras de incentivo. “Uma senhora de idade que estava a observar a
cena aproximou-se e sussurrou ‘rapazes, tenho tanto orgulho em vocês’ e eu
aprendi que nunca se deve julgar alguém antes de termos tido oportunidade de
falar com essa pessoa”.
A loja fechou mais cedo e os
quatro regressaram a casa, esfomeados mas determinados. Na manhã seguinte
regressaram ao mesmo lugar, seguidos por 25 colegas e alguns jornalistas. No
final da semana, eram já 300 e o protesto alastrava – primeiro a outras cidades
da Carolina do Norte, depois a outros estados (há quem fale em 55 cidades, há
quem conte mais de 250). Nem todos foram bem-sucedidos, mas a acumulação de
protestos, escreveu o New York Times, “contribui para o impulso que levou
à aprovação da Civil Rights Act de 1964”, que proibiu a segregação nos locais
públicos a nível federal.
Em Greensboro, a luta dera frutos
muito antes. A 25 de Julho de 1960, Woolworth passou a atender todos os
clientes por igual. Em 2010, a loja deu lugar ao Museu dos Direitos Cívicos e o
balcão foi levado para o Museu Smithsonian de História Americana, em
Washington.
Mas para McCain, o sit-in foi
apenas o começo de uma vida de activismo pelos direitos cívicos. Aos 68 anos,
numa entrevista à jornalista Mary C. Curtis, admitia sentir-se feliz com a
nova face do país – a América que elegeu Barack Obama, um negro, para a
presidência –, mas desafiava as novas gerações a não baixarem os braços. “A
todo o momento sou recordado que em qualquer luta pela mudança são precisas
apenas algumas pessoas para fazer a diferença, às vezes apenas uma”.