terça-feira, 23 de agosto de 2011

Mundo - Haiti e as Mulheres

 A incrível e triste história de ser mulher no Haiti
Publicado em 31 de Agosto de 2011  (Jornal I) 

As mulheres haitianas continuam a ser vítimas de violações e gravidezes indesejáveis e da falta de acesso a cuidados pré-natais denuncia a Human Rights Watch

No Haiti há quem dê à luz numa esquina por não ter dinheiro para pagar uma cesariana. Epidurais, um hospital, uma maca que seja, são cuidados a que grande parte das haitianas não se podem dar ao luxo. O Haiti tinha a mais alta taxa de mortalidade infantil do hemisfério ocidental antes do tremor de terra de 12 de Janeiro de 2010; hoje esse número é desconhecido, mas a julgar pelo relatório divulgado ontem pela Human Rights Watch (HRW) não custa imaginar que a situação se tenha degradado.

"Mais de um ano e meio depois do sismo, algumas mulheres e raparigas dão à luz desacompanhadas, no chão lamacento das tendas, ou trocam comida por sexo sem protecção contra gravidezes indesejáveis", explica Kenneth Roth, director executivo da HRW.

Para cima de 300 mil mulheres e raparigas vivem actualmente nos campos de deslocados haitianos. Sem acesso a cuidados reprodutivos e maternos, apesar do sem precedente acesso a cuidados de saúde que existe actualmente no país, devido aos esforços dos países doadores, que juntaram 3,8 mil milhões de euros para ajudar à recuperação do Haiti.

Ainda sem 15 anos feitos, Florence tem uma barriga de cinco meses e não tem pais. Vivia com a família para a qual fazia tarefas domésticas com quem se mudou para o campo de refugiados de Mais Gaté após o terramoto. Violada pelo patrão foi ameaçada: o silêncio em troca da vida. Alguém a levou a um médico mas Florence desistiu dos cuidados pré-natais por não ter dinheiro para pagar as análises. "Fui uma vez ao médico, que me passou uma receita. Não tenho dinheiro para as análises ao sangue e às fezes", conta Florence, citada no relatório. "O médico disse-me que voltasse, mas aconselhou-me a voltar com os resultados das análises. Não tenho mãe nem pai, vivo com uma "tia" [a patroa], só que ela já não toma conta de mim. Agora vivo no campo com outra pessoa, desde que fui violada", acrescenta.

A vulnerabilidade das adolescentes e das mulheres já era uma preocupação no Haiti muito antes do tremor de terra as ter deixado numa situação ainda mais frágil, diz o documento da HRW - "''Ninguém se Lembra de Nós'': Fracasso na Protecção dos Direitos das Mulheres e das Raparigas à Saúde e à Segurança no Haiti Pós-Sismo".

Feito com base em mais de 100 entrevistas realizadas nos campos de deslocados a raparigas e mulheres entre os 14 e os 42 anos que engravidaram ou deram à luz depois do terramoto, o relatório chega à conclusão que as autoridades haitianas e as organizações internacionais presentes no país não estão a fazer o necessário para prevenir a morte materno-infantil.

Da verba total angariada para a recuperação do Haiti, o governo reservou 178 milhões de euros para cuidados de saúde, embora até ao momento menos de metade desse dinheiro tenha sido usado - 81,6 milhões de euros. Para Roth, "com 178 milhões de euros destinados aos cuidados de saúde, nenhuma mulher devia ter de dar à luz na rua". E não é o que acontece. A falta de coordenação e de partilha de dados entre as ONG a trabalhar no terreno torna tudo muito mais difícil, pois é complicado perceber onde está a ser usado o dinheiro e com que eficiência.

Carecem de informação as organizações não governamentais, as autoridades e, em consequência disso, as próprias haitianas que, na maioria das vezes, nem sequer sabem que existem contraceptivos de emergência e outros cuidados pós-violação disponíveis gratuitamente em algumas clínicas.

Ghesla é uma mãe solteira com três filhos que perdeu tudo no sismo: "As pessoas tentam sobreviver como podem. As mulheres têm relações com homens só para alimentar os filhos", conta. "Não trabalho. Não tenho pais que me ajudem. Infelizmente, as mulheres às vezes engravidam, mas se tivéssemos acesso a planeamento familiar estaríamos protegidas. Não é bom ser prostituta, mas que podemos fazer? Temos de comer."

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O parlamento ainda é uma casa de homens?

Já ouvi alguém dizer, não para mim mas para a pessoa que estava ao lado, "não percebo estas mulheres que querem ser mães a tempo inteiro e querem ser deputadas". Não vou deixar de ser mãe pelo facto de ser deputada, nem vou deixar de ser deputada pelo facto de ser mãe. Cabe-me gerir isto no dia-a-dia, às vezes com grandes dores de cabeça. Devo ser a deputada que mais olha para aquele relógio grande no plenário.

Lembra-se da sua primeira iniciativa parlamentar?

Lembro-me do primeiro debate. Foi traumatizante. A primeira vez que entrei no plenário tive a mesma sensação que toda a gente tem: a sala afinal é pequeníssima. Estávamos todos uns em cima dos outros e isso inibia-me. Depois as galerias estavam cheias por causa de uma pergunta dos Verdes ao governo, que na altura estava a dar uma contestação enorme por causa da barragem do Foz Côa e das gravuras rupestres. Entro na sala, estava ali cara a cara com o governo, com as galerias cheias, tremia por todo o lado. Lembro-me da primeira grande lição que tive nesse dia, que me foi dada pelo deputado do PCP João Amaral. Disse-me assim: "Tu és novata nisto, isto tem tempos, tu não vais conseguir respeitar esses tempos e quando o presidente te mandar calar tu vais responder: ''Termino já senhor presidente.''" [risos] Depois disse-me: "Vais estar atenta à resposta que te derem porque se ele não responder às perguntas tu vais dizer ''O senhor ministro não respondeu às minhas perguntas'' e tenta recolocar as perguntas, tenta obrigá-lo a responder." Isto foi uma lição de vida para mim.

Heloísa Apolónia, dos Verdes,
Jornal I, 2011-08-23
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