Crises bancárias serão geridas de forma diferente no futuro /KAI PFAFFENBACH REUTERS
A União Europeia (UE) completou esta terça-feira o maior projecto de integração desde a criação do euro, com a aprovação formal dos últimos passos de um novo processo que vai alterar profundamente a gestão de futuras crises bancárias de forma a evitar que voltem a rebentar com as finanças públicas dos respectivos países.
O processo ficou concluído com uma votação no Parlamento Europeu (PE) de um pacote legislativo que encerrou dois anos de intensas negociações com os governos da UE para a criação das duas primeiras etapas de uma nova união bancária europeia.
Mesmo se os críticos consideram as novas regras complexas e insuficientes, a verdade é que a nova união bancária vai operar uma verdadeira revolução na gestão do sector financeiro: os poderes de supervisão (vigilância) dos bancos e de decisão sobre a liquidação dos que estiverem em risco de falir, a par do financiamento dos respectivos custos, vão ser transferidos da responsabilidade nacional, como era o caso até agora, para o nível europeu, que centralizará todo o processo.
Isto significa que o que aconteceu na crise financeira de
2008/2009, em que cada país da UE socorreu de forma isolada os seus bancos
falidos, com sérios custos para os seus cidadãos em termos de políticas de
austeridade para reduzir as dívidas assumidas, vai passar a ser feito de forma
colectiva e com base nas mesmas regras.
“A união bancária não é uma bala de prata que vai resolver tudo
(...), mas esperamos que crie um verdadeiro mercado que permita que o crédito
às pequenas e médias empresas seja concedido de forma mais fácil e a taxas mais
competitivas do que tem sido desde a crise”, afirmou Elisa Ferreira,
eurodeputada socialista portuguesa, que pilotou as negociações com os governos
em nome do PE.
Isto porque, frisou, “nos Estados que são vistos como mais
frágeis os seus bancos absorvem a fragilidade do país, porque se pensa que têm
menor probabilidade de serem salvos, porque o seu país não é tão forte como
outros. Por essa razão, estes bancos têm maior dificuldade em obter eles
próprios crédito e conceder crédito suficiente ou em condições aceitáveis para
a economia”, justificou.
O primeiro passo da união bancária foi dado há um ano com a
decisão dos governos de transferir para o Banco Central Europeu (BCE) a
responsabilidade pela supervisão dos principais bancos, que passarão a ser
vigiados com base em regras comuns. Este passo permitirá acabar com a tendência
habitual dos supervisores nacionais de esconder os “podres” dos “seus” bancos,
o que continua a pesar sobre a credibilidade do sistema bancário europeu.
Se e quando o BCE decretar que um banco está em riso de falir, entra
em cena o segundo pilar da união bancária – o processo de “resolução”
(liquidação ou reestruturação da instituição) – que foi formalmente aprovado
esta terça-feira pelo PE depois de longos meses de negociações com os governos
da UE.
A partir do sinal de alarme do BCE, um “conselho de resolução”
formado pelos reguladores nacionais dos países onde o banco a liquidar opera,
mais cinco personalidades permanentes, terá a responsabilidade de aprovar um
plano para a resolução da instituição.
Os custos deste processo serão antes de mais assumidos pelos
accionistas e outros credores do banco em causa e, em última análise, pelos
depositantes com mais de 100 mil euros. A contribuição destas entidades deverá
ser equivalente a pelo menos 8% do valor de todas as actividades do banco.
A partir deste montante, a “resolução” poderá ser financiada a
partir de um fundo alimentado pelos próprios bancos até um montante a rondar os
55 mil milhões de euros.
Este fundo, que inicialmente deveria demorar dez anos a ser
constituído e que só se tornaria plenamente “europeu” no final do período,
demorará afinal apenas oito anos a construir e terá 70% das suas
dotações financeiras “mutualizadas” ao fim de três. Isso significa que cada
país deixará de ficar limitado aos fundos do seu compartimento nacional e
poderá ir buscar ao “bolo” comum os meios necessários.
O PE também conseguiu simplificar o processo de decisão de
liquidação dos bancos e, sobretudo, limitar o poder de intervenção política dos
governos. As decisões do conselho de supervisão serão de cariz sobretudo
técnico e poderão incluir o encerramento de um banco mesmo contra a vontade do
país onde opera, podendo os governos apenas intervir em casos excecionais.
PÚBLICO, 2014/4/15